Era quente a cidade no meio das brabas caatingas. Na terra seca os meninos-buchudos brincávamos de bola ou de fura-pé nas manhas. De repente quem aparecia? Para a nossa alegria, do meio da poeira surgia o Vendedor de Sonhos. Esse era um caboclo de cara rude e de poucos dentes que exibia em gestos tão doces como os sonhos docinhos que vendia.
Quando ele aparecia o jogo parava. Mãinha me dê dez cruzeiros: eu quero comprar um sonho!
Macio como um pedacinho de nuvem com gosto de felicidade de menino. Só unzinho para modo de não dar verme!
Um dia desses o Vendedor de Sonhos não apareceu. Cadê o homem? Hoje ele não ia distribuir sonhos, só lágrimas.
Foi por causa da filhinha dele que virou anjo. Eita, eita. Juntamo-nos seus fregueses, uma procissão de meninos-buchudos e fomos à casa de nosso benfeitor, longe, pras bandas da rua de cima. Cuidado para não ficar impressionado, mãinha deixou.
Sala apertada. Era gente! Pessoas que adoçam as vidas alheias são queridas muito. As velhas com lenços nas cabeças cantavam cantigas bonitas, e o povo abraçava o Vendedor de Sonhos e uma mulher que eu não conhecia, pelo jeito de certo era a mamãe da menininha.
Num caixãozinho branco De olhinhos fechados, camisola branquinha e cabelinho cacheado jazia a filhinha de nosso amigo. En-ein! Tão bonitinha! En-ein tão miudinha.
Isso é justo? Um Homem tão bom que só faz alegrar as crianças perder sua filhinha de morte-morrida?
Menino não conteste as vontades de Deus! Foi a avó da anjinha que me ensinou!
Nessas caatingas muitos nascem e poucos vingam. Quis Nosso Senhor que essa menina fosse em boa hora, quem morre antes dos sete tem pecado não, não conhece purgatório, vai direto pro Céu pr'on'ta Papai-do-Céu. Um anjinho que rogará por nós que continuamos nesse mundo cão sofrendo as dores da carne. E os castigos do Cabrunco!
Bom saber. Desculpe minha ignorância.
Abracei o vendedor de sonhos, deixei escorrer uma lágrima na sua camisa surrada e corri pra casa pra ninguém me ver chorando por causa de um anjo que foi para o Céu.
Um comentário:
Gerson Salvador de Oliveira, boa tarde!
Contos que emocionam a quem vivenciou fatos como os relatados.
No imaginário não são contos e sim fatos.
Parabéns!
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